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06.04
21h30
CHRISTOPHE DEJOURS
MARIA MANUEL A. JORGE
BAG
Subjectividade, Trabalho e Acção
Esta comunicação apoiar-se-á numa nova aproximação às relações entre subjectividade e trabalho, desenvolvida recentemente em França sob a designação de “psicodinâmica do trabalho”. Esta aproximação clínica da relação à tarefa, conduziu a uma concepção e uma definição específicas do trabalho, que não partilha exactamente da noção de trabalho de outras disciplinas como a economia, a sociologia ou a ergonomia. No centro desta concepção, está experiência do real do trabalho, isto é, aquilo que se faz conhecer ao sujeito como uma resistência do mundo à técnica, ao saber-fazer, ao conhecimento, à autoridade, à própria ciência. E insisto particularmente no facto de que este reencontro ordinário com o real é uma experiência afectiva colocada sob o signo do sofrimento. No entanto, o referido sofrimento não é apenas a consequência de um confronto com a realidade. Ele é também um ponto de partida, e tentarei mostrar como ele está na origem da mobilização e da inteligência. A inteligência no trabalho é assim uma inteligência do corpo ligado afectivamente na relação com a matéria e com os objectos técnicos, o que lhe confere as características ignoradas pelas concepções experimentais e clássicas da inteligência da psicologia. De facto, a inteligência desembaraçada pela clínica do trabalho é inteiramente subjectiva e afectiva e não aparece ao mundo visível. De onde o paradoxo da avaliação do trabalho, que não pode separar o essencial disto que está em causa na contribuição de cada um a uma empresa, uma administração ou uma instituição. Assim, a análise da relação entre o trabalho e a subjectividade, levada até aos seus limites, conduz a reconhecer no trabalho um papel determinante, tanto no desenvolvimento como nos impasses da subjectividade. Surge agora uma contradição teórica entre, a psicologia do trabalho que afirma «a centralidade do trabalho», e a psicanálise que, pelo seu lado, sustenta «a centralidade da sexualidade» na subjectividade. Tentaremos ver em que condições esta contradição pode ser resolvida. O trabalho não é somente uma relação solipsista com a matéria, com os objectos técnicos e com o real do mundo ­ ele é também uma relação social e uma entrada privilegiada no âmbito da dominação. Discutiremos agora as questões que devem ser tratadas para que o trabalho colectivo seja possível, para que uma equipa ou uma comunidade de trabalho possa constituir-se. E veremos que para aí chegar, não é somente necessário resolver os problemas técnicos, mas também inventar as regras organizadoras das relações de civilidade; porque trabalhar, não é unicamente produzir, é também viver conjuntamente. O trabalho ordinário implica, assim, uma actividade deontológica que não é suficientemente estudada. O trabalho, com efeito, pode ser uma ocasião para aprender a viver conjuntamente, mas pode também gerar o pior e ser um lugar de aprendizagem das relações mais detestáveis entre pessoas. Se se sustentar que o trabalho é uma ocasião oferecida à subjectividade para se completar, faltam ainda as condições sociais e éticas específicas. Como pensar a acção, no campo político, no sentido de esta satisfazer conjuntamente os requisitos da subjectividade singular e aqueles da acção colectiva? Após a afirmação do neo-liberalismo, as novas formas de organização do trabalho, de gestão e de management, desenvolveram-se sobre a base de princípios que contêm implicitamente o sacrifício da subjectividade. Estes princípios serão aqui examinados para poder explicar o porquê de a evolução contemporânea do trabalho, que produz um aumento considerável da riqueza, se traduzir, ao mesmo tempo, no agravamento e aparecimento de novas patologias mentais do trabalho que se tornaram extremamente procupantes para os clínicos (de medicina do trabalho, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas) em todos os países ocidentais. Insistirei, para finalizar, numa análise que sugere que esta evolução não é um acontecimento de desgraça inexorável de origem sistémica, mas melhor ainda, um facto da vontade de uns e do consentimento dos outros.
Christophe Dejours possui dupla formação, em Ciências do Trabalho por um lado, e em Psicopatologia por outro. Especialista em Medicina do Trabalho e Ergonomia, beneficiou nos anos 70 de uma formação prática de investigação no domínio da melhoria das condições de trabalho. Psiquiatra em função em hospitais durante 10 anos, Christophe Dejours possui também a formação de psicanalista e é membro da Association Psychanalytique de France e do Institut de Psychosomatique de Paris. Actualmente é Professor de Psicologia do Trabalho no CNAM (Conservatoire National des Arts et Métiers) de Paris, e também Director do Laboratório de Psicologia do Trabalho desta mesma instituição. Publicou já vários trabalhos no âmbito da psicodinâmica e da psicopatologia do trabalho, por um lado, e em psicosomática, por outro, publicados já em várias línguas: Le corps entre biologie et psycanalyse: essai d’interpretation comparée, préface de François Dagognet (Ed. Payot, Paris, 1986), Recherches Psychanalytiques sur le Corps: répression et subversion en psychosomatique (Ed. Payot, Paris, 1989). Travail: usure mentale (Bayard Editions, 1993), Le Facteur Humain: que sais-je? (PUF, Paris, 1994), Souffrance en France: La banalisation de l’injustice social (Seuil, L’Histoire Immédiate, 1998), Le Corps, d’abord: Corps biologique, corps érotique et sens moral (Editions Payot-Rivages, 2001). É também director da revista Travailler.

Maria Manuel Araújo Jorge doutorou-se em Filosofia em 1989. É Professora de Epistemologia na Licenciatura em Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, colaborando igualmente no Mestrado de Filosofia Contemporânea e na linha de investigação Para uma Antropologia da Dor e do Sofrimento do Instituto de Filosofia da mesma escola. A sua investigação tem-se centrado no campo da filosofia das ciências, particularmente da biologia molecular, tendo publicado nesse domínio três livros: Da Epistemologia à Biologia (Instituto Piaget, 1994), Biologia, Informação e Conhecimento (Fundação Calouste Gulbenkian, 1995), As ciências e nós (Instituto Piaget, no prelo). Em colaboração, participou ainda nas seguintes obras: O problema epistemológico da complexidade (Publ. Europa-América, s/data), As origens da vida (Ed. Rei dos Livros, 1997), Sciences, techniques et valeurs (L’Âge d’Homme, 1998), L’Elementaire et le complexe (EDP Sciences, 2001). Publicou cerca de cinquenta artigos em Portugal e na Europa e proferiu mais de sessenta conferências e comunicações em Portugal e outros países europeus.

Integrado no Ciclo "Os outros em Eu" /IPATIMUP, BIAL