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conferencista
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local
24.03
18h00
JEAN GALARD
DIOGO ALCOFORADO
BAG
Limites éticos da estetização da vida
Uma situação, um acontecimento, são «estetizados» quando o olhar os constitui em objectos que apelam a uma atenção semelhante àquela que as obras de arte requerem. A «estetização» da vida é uma operação de transformação ou transfiguração das situações ordinárias (ou de certos momentos excepcionais), por este meio, em factos cobertos de “beleza”. Por este último termo, não deve entender-se uma simples qualidade ornamental que enfeite ou adorne a vida. A beleza resultante da operação de estetização pode ser sombria, trágica. Há uma possível estetização da violência, da guerra, da destruição, e é por este motivo que se coloca a questão dos limites éticos desta operação. A arte tem estendido para muito longe os limites da aceitabilidade estético-moral da representação do horror. O insustentável já foi representado, na pintura, no desenho, não apenas como proposta de testemunho, mas com o fim de obtenção de valor artístico. O «irrepresentável» já foi, não poucas vezes, evocado nas obras que se inscrevem, apesar de tudo, na história da arte. Se a questão da «beleza» parece já, neste caso, bastante problemática, é ainda mais difícil pensar a relação que se estabelece perfeitamente entre a atenção estética e os documentos «brutos» que nos dão a ver o horror. É esta a questão que nos é colocada pelo número de fotografias que nos põem sob os nossos olhos imagens contemporâneas de morte ou de extrema miséria, sob a forma de clichés «bem conseguidos» e de negativos «de qualidade». É também esta a questão que nos põe constantemente a televisão, levando-nos ao domicílio o espectáculo da morte em directo. Neste sentido, é extremamente delicado aventurarmo-nos no tema d’«O Futuro do Futuro». Duas situações são aqui prováveis. Por um lado, um longo futuro parece prometido às guerras, à violência, às situações de miséria absoluta. Por outro, parece assegurado que não nos faltarão as imagens, que elas chegarão até nós por novos canais, e que a sua qualidade será excelente. Entre as obras de ficção expressamente destinadas à atenção estética e os documentos de horror que chegam «em tempo real» e a exploração da «realidade virtual», poderemos ainda nós determinar a atitude conveniente e acomodar o olhar?
Jean Galard nasceu em 1937 em Aubiers (França). Agregado de Filosofia, foi professor de Estética na Universidade de São Paulo (Brasil), adido cultural e director de centros culturais em Marrocos, na Nigéria, na Turquia, no México e nos Países Baixos. Actualmente é Director dos Serviços Culturais do Museu do Louvre. Para além de vários artigos, publicou já os seguintes livros: Orphée (Éditions du Seuil, Paris, 1967), Mort des Beaux-Arts (Éditions du Seuill, Paris, 1971), La Beauté du Geste (Presses de l’École Normale Supérieure, Paris, 1984)(trad. portuguesa A Beleza do Gesto, Ed. USP, São Paulo 1986), Visiteurs du Louvre, un florilège (Réunion des Musées Nationaux, Paris, 1993), e recentemente Le Regard Instruit , Action Éducative et Action Culturelle dans les Musées ­ coordenação (La Documentations Française, Paris, 2000).
Diogo Alcoforado Licenciado pela ESBAP (Pintura) e licenciado e doutorado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Filosofia) onde é professor no Departamento de Filosofia. Em 1998 publicou Pintura e Finitude Humana (ed. Fundação Eng. António de Almeida, Porto), sendo ainda autor de algumas dezenas de textos de reflexão, com particular incidência na âmbito da Estética.